quinta-feira, 11 de março de 2010

Parabéns

Hoje o meu adorado amigo D. faria 36 anos!
Não passa um único dia que não me lembre dele. Do seu look desajeitado, das piadas tipo flecha, do sorriso, do olhar...
A morte do D. teve um efeito devastador na minha vida. Foi o primeiro amigo que perdi. Foi a primeira vez que tive aquela sensação de impotência, de perceber que não controlamos o destino, e que tudo acaba num segundo.

Conheci o D. uns tempos antes da faculdade.
Conhecemo-nos numa conferência chatérrima, daquelas que ao fim de 10 minutos de estarmos sentados, as cadeiras desenvolvem agulhas que nos picam estrategicamente no rabiosque e na zona dos rins.
Ele estava ao meu lado, e ouviu o meu: "Não aguento mais."
Olhou para mim e disse: " Se tu saíres, eu saio contigo."
Levantámo-nos, caminhámos para a porta. Tentámos fazer o look homem invisível, que quase resultou, quase. Isto porque o D. ao abrir a porta para me dar passagem como um verdadeiro cavalheiro, deixa escapar a porta que bateu de forma tão violenta que TODA a sala parou e se virou para a saída... onde estava o D. super vermelho e eu morta de riso.
Foi ele quem me puxou para sair dali... Percebi logo naquele instante, que ele era um tipo dado ao disparate... daqueles que atraem tudo o que é embaraçoso.
Desde esse dia que fomos inseparáveis. Amigos, companheiros, cúmplices... sei lá.
No dia em que me comunicou que estava doente, muito doente, reagi com ânimo. Prometi-lhe que juntos iríamos vencer aquela batalha, garanti-lhe que era possível, não admiti que duvidasse da minha certeza.
Foi um processo penoso. A quimioterapia debilitou-o. Era um D. apreensivo e sofrido que estava perante mim. Nem por 1 segundo saí do seu lado.
Lembro-me das partidas que lhe pregava...
Lembro-me de me pedir para lhe comprar umas revistas para ir lendo enquanto fazia o tratamento... Comprava-lhe revistas pornográficas, daquelas nojentas. Entregava-as à enfermeira e pedia-lhe para as deixar junto ao D., justificava sempre com um: " Não me sinto nada bem em fazer isto, mas ele diz que é a única coisa que ainda o deixa animado...". A enfermeira fazia sempre um ar de descrédito, e cada vez que lhe deixava as revistas no colo, o olhar dela exclamava: " ÉS UM TARADO!"
Lembro-me de lhe trocar os cd's no seu leitor... Smashing Pumpkins passou a ser Broa de Mel e Trio Odemira. Quando ralhava comigo, eu respondia que estava na hora de ele deixar de ser elitista.
Lembro-me de parar o carro porque ele se sentia mal disposto, e quando o polícia me questionou o que se passava com ele, ter respondido que ele além de gay, tinha uma gravidez histérica.
Quando relembro isto, é um misto de sentimentos... De riso, de saudade, de tristeza, de gratidão por ter vivido tudo isto.

Parabéns D.! Hoje é o teu dia.
Aposto que por aí vai haver uma festarola do caraças!
Mais ou menos igual aquela que me vais fazer, no dia em que nos reencontrarmos.
Vou ter tanta coisa para te contar!

6 comentários:

  1. hey!
    assim não...arrepiei-me todinha! não escapou nem um pelinho. E tenho a certeza de que quando vocês se reencontrarem, quem estiver cá na terra vai conseguir ver os fogos de artificio que vão estourar por lá =D ***

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  2. Ainda bem que consegues descrever um episódio e uma pessoa que tanto te marcaram (não há forma de não marcar) com tanta alegria e boa disposição. Não sou adepta do "tens de ser feliz, tens de ser positiva no matter what" mas que é bom para quem, de verdade, sem artifícios, se sente assim, é.

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  3. Goldfish, tive os meus momentos menos bons. Mas hoje, além da saudade óbvia, o que mais sinto é gratidão por ter tido a oportunidade de o conhecer e viver muitas coisas ao seu lado.
    O que mais custa neste processo, é a ausência. É o cérebro ainda não estar formatado para isso... e fazer aquela coisa parva de ter alguma coisa para partilhar com ele, e instintivamente agarrar no telemóvel para lhe ligar.
    A forma que arranjei em lidar com isto e minimizar algum sofrimento foi pensar no reencontro... algo que imagino natural e muitissimo alegre. :)

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  4. Sem palavras!
    Tocou ca no fundo!
    Eu tenho imensa sorte por nunca ter perdido ninguem na minha vida!
    Sou uma afortunada!
    Mas um dia quando isso acontecer, quero lembrar-me das pessoas tal qual como tu!
    Beijocas

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  5. Lembro-me muito dele. Das férias em Mil Fontes. E a viagem a Barcelona, lembras-te?? Quando o cão abandonado te adoptou e seguia-te para todo o lado, e enquanto o dono da pousada não jurou que cuidaria dele, o D. fazia grandes palestras sobre a necessidade das crianças conviverem com cães. Afinal ele seria pediatra, sabia do que falava!
    São tantas, tantas e tantas recordações. Que privilégio.
    E tu miúda? Tu foste a lufada de ar fresco no meio do drama. Lembro-me das partidas que pregavas ao D. Ele ficava tão irritado e só te lembrava que estava gravemente doente. E tu sempre a responder o mesmo: então é melhor que te ponhas bom depressa porque espero uma vingança soberba. Sempre com aquele ar de miúda irrequieta.
    Parece que foi ontem.
    Porra, saudades daquele gajo.

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